Depressão normal e patológica
Os seres humanos se entristecem ou se alegram com facilidade, em decorrência de acontecimentos da vida. Essa experiência, de flutuações diárias em nosso afeto, é universal e normal.
Em algumas pessoas, no entanto, estas flutuações se tornam excessivas em termos de intensidade (o evento desencadeante é de pequena monta, por exemplo: a morte de um animal de estimação, em relação ao grau acentuado da depressão) e/ou duração, passando a interferir de forma significativa em seu cotidiano. Nesses casos, encontramo-nos diante de um transtorno afetivo. Por outro lado, quando uma pessoa sofre uma perda significativa, como a morte de um filho ou do esposo, a separação de um cônjuge, a perda do emprego, ou é acometida por uma doença grave, a tristeza pode ser muito intensa e prolongada, caracterizando um quadro de depressão mental. Nesse caso, a depressão seria conseqüente a um acontecimento grave e, portanto, pode ser considerada proporcional ao evento desencadeante, sendo denominada depressão reativa. Com o passar do tempo, o apoio e a compreensão dos amigos e parentes, além de outras circunstâncias favoráveis, a depressão costuma ser revertida.
Classificação dos transtornos afetivos
O Manual Estatístico Diagnóstico da Associação Norte-americana de Psiquiatria, na sua quarta versão (DSM-IV), classifica os distúrbios afetivos em dois grandes grupos, os distúrbios depressivos e os bipolares. Reconhece ainda a existência de distúrbios afetivos devido a uma condição médica geral e aqueles induzidos por drogas.
Distúrbios depressivos
Os distúrbios depressivos incluem a depressão maior, a distimia e tipos não-especificados de depressão.
A depressão maior (antiga depressão endógena) caracteriza-se por um ou mais episódios depressivos, com pelo menos duas semanas de humor deprimido ou perda de interesse na maior parte das atividades, acompanhadas de ao menos quatro sintomas adicionais de depressão, que incluem sentimentos de desesperança, desvalia, culpa, desamparo, associados a alterações de apetite e sono, fadiga, retardo ou agitação psicomotora, diminuição do desempenho sexual, dificuldade de concentração e raciocínio e pensamentos recorrentes sobre a morte, com ou sem tentativas de suicídio. Aumento de irritabilidade é comum, principalmente em crianças e adolescentes.
Alguns quadros de episódio depressivo maior apresentam aspectos especiais, com a adição de pelo menos três dos seguintes sintomas: humor deprimido, piora matinal, insônia terminal, agitação ou retardo psicomotor significativo, anorexia ou perda de peso marcados e culpa excessiva. Manifestações psicóticas podem também acompanhar a depressão maior, com o aparecimento de idéias delirantes e mesmo alucinações. Merecem destaque ainda o distúrbio afetivo puerperal, que ocorre até quatro semanas após o parto, e o sazonal, com início e remissão de episódios depressivos em certos períodos do ano, geralmente no inverno e na primavera, respectivamente.
Os episódios depressivos maiores são freqüentemente autolimitados, durando seis meses ou mais, embora em alguns pacientes (20%-30%) determinados sintomas possam persistir. Seu risco de ocorrência durante a vida é de 10%-25% em mulheres e 5%-12% em homens. Familiares em primeiro grau de pacientes com distúrbio depressivo maior têm um risco de 1,5 a três vezes maior do que a população geral de desenvolver quadros semelhantes.
A distimia (antiga neurose depressiva) é caracterizada por pelo menos dois anos de humor deprimido na maior parte dos dias, acompanhados de sintomas depressivos que não chegam a caracterizar um episódio depressivo maior. Sua prevalência durante toda vida é de aproximadamente 6%.
Os distúrbios depressivos não especificados incluem quadros depressivos que não preenchem os critérios para depressão maior ou distimia, nem para distúrbios de adaptação com humor deprimido ou com sintomas mistos de ansiedade e depressão.
Distúrbios bipolares
Os distúrbios bipolares envolvem a presença obrigatória, na história do paciente, de episódios maníacos, mistos ou hipomaníacos. Freqüentemente também ocorrem episódios depressivos maiores. São subdivididos em distúrbios bipolar I e II, ciclotímico e aqueles não específicos. Episódios maníacos são caracterizados por humor persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando pelo menos uma semana e mais três dos seguintes sintomas: excesso de auto-estima, prolixidade, atividade aumentada, fuga de idéias, menor necessidade de sono, dispersão, envolvimento em atividades sem avaliar seus riscos ou conseqüências. Podem ocorrer sintomas psicóticos. Episódios hipomaníacos são semelhantes, mas o quadro não é severo o suficiente para causar prejuízo significativo ao funcionamento social ou ocupacional do paciente, e não existem sintomas psicóticos. Nos episódios mistos ocorrem, com freqüência quase diária, tanto episódios maníacos quanto de depressão maior, com alternância rápida entre eles, por um período mínimo de uma semana.
O distúrbio bipolar I envolve um ou mais episódios maníacos ou mistos, geralmente acompanhados de episódios depressivos maiores. O distúrbio bipolar II, por outro lado, caracteriza-se por um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados de pelo menos um episódio de hipomania. O distúrbio ciclotímico está relacionado à presença, durante pelo menos dois anos, de vários períodos de sintomas hipomaníacos e depressivos que não preenchem o critério para episódios maníacos ou depressivos maiores, respectivamente. Tem curso crônico e flutuante.
These positron emission tomography scans of the brain of a person with bipolar disorder show the individual shifting from depression, top row, to mania, middle row, and back to depression, bottom row, over the course of 10 days. Blue and green indicate low levels of brain activity, while red, orange, and yellow indicate high levels of brain activity.
Substrato neural dos distúrbios afetivos
As principais teorias que procuram explicar a fisiopatologia dos distúrbios afetivos originaram-se da elucidação dos efeitos farmacológicos das drogas antidepressivas.
Duas propostas compõem a teoria monoaminérgica clássica da depressão: uma delas, tendo por base o fato de que a imipramina bloqueia a recaptação neuronal de noradrenalina (NA) e de serotonia (5-HT), cujos níveis cerebrais são aumentados pelo bloqueio da monoaminoxidase (MAO), somado à observação de que a reserpina, substância que depleta monoaminas, provoca quadros depressivos em 10% a 20% dos pacientes e que a anfetamina, substância que libera noradrenalina e reduz sua recaptação neuronal, tem efeito euforizante (embora não seja antidepressiva) propôs, segundo Schildkraut e Kety, que a depressão era causada por diminuição da noradrenalina cerebral e que tratamentos antidepressivos eram eficazes por normalizar essa neurotransmissão; a outra, sugerida por Lapin e Oxenkrug, propôs um quadro semelhante em relação à serotonina.
O fato de pacientes deprimidos apresentarem diminuição dos níveis urinários de 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), um metabólito da noradrenalina que reflete sua taxa de renovação cerebral, bem como o fato de precursores de serotonina, como o 1-triptofano e o 5-hidroxitriptofano, apresentarem moderada ação antidepressiva e baixas concentrações de serotonina e seu principal metabólito, o ácido 5-hidroxiindol acético (5HIAA) serem encontradas em cérebros de vítimas de suicídio ou no líquido cefalorraquidiano de parte dos pacientes deprimidos apoiam experimentalmente a teoria monoaminérgica clássica da depressão.
Estudos neuroendócrinos demonstram que o aumento do hormônio hipofisário prolactina, induzido pelo triptofano (aminoácido precussor da serotonina) ou pela fenfluramina (liberador de serotonina) encontra-se atenuado em pacientes com depressão. Além disso, uma privação de 1-triptofano induz recidiva no quadro depressivo em 80% dos pacientes tratados com sucesso com drogas que bloqueiam seletivamente a recaptação de serotonina.
Experimentos demonstram que a administração de alfametilparatirosina, um inibidor da síntese de noradrenalina, provoca recidiva aguda dos sintomas depressivos de pacientes tratados com bloqueadoress seletivos da recaptação desse neurotransmissor, confirmando o importante papel ocupado pela noradrenalina no processo depressivo.
Além da noradrenalina e da serotonina, neurotransmissores como a dopamina e o glutamato, neuropeptídeos como a colecistocinina (CCK) e o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e fatores de crescimento como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) têm sido implicados na etiologia dos distúrbios afetivos.
Teoria noradrenérgica da depressão mental
A reserpina induz um quadro sintomático que em tudo se assemelha à depressão natural. Este alcalóide esgota o estoque das monoaminas nas terminações nervosas, inclusive as noradrenérgicas, resultando numa menor atividade do neurotransmissor sobre os receptores pós-sinápticos. Por outro lado, os inibidores da MAO e os antidepressivos tricíclicos afetam a neurotransmissão noradrenérgica em sentido oposto; os primeiros porque induzem um acúmulo do neurotransmissor nas vesículas sinápticas, e portanto devem aumentar a quantidade liberada por impulso nervoso, e os segundos porque diminuem a recaptação da NA pela membrana neuronal do terminal pré-sináptico, aumentando sua concentração na fenda sináptica.
Bloqueio da monoaminoxidase Bloqueio da recaptação do neurotransmissor (NA)
Embora a reserpina esgote também os estoques de 5-HT e de DA, a atenção se concentrou na NA porque Arvid Carlsson verificou que a injeção de DOPA, restaurando a DA e a NA, mas não a 5-HT, revertia a sedação reserpínica em animais. Além disso, os agentes tricíclicos não afetam a recaptação de DA, ficando assim, por exclusão, a NA como o mais provável neurotransmissor envolvido na depressão mental.
Assim sendo, propôs-se que a depressão mental seria devida a uma diminuição da atividade de NA nos receptores pós-sinápticos, em determinadas vias do SNC responsáveis pela regulação do estado de ânimo.
Através de experimentos em ratos, descobriram-se regiões do sistema nervoso central que, quando estimuladas (fenômeno conhecido como auto-estimulação), produziam sensações prazerosas. Tais regiões, denominadas zonas de recompensa, incluem o feixe prosencefálico medial, que interliga áreas do córtex cerebral, especialmente a frontal, ao tronco cerebral, percorrendo o hipotálamo lateral.
As regiões do cérebro conhecidas como zonas de punição estão situadas ao longo do feixe longitudinal dorsal, que interliga a matéria cinzenta periventricular, no hipotálamo com a substância cinzenta periaquedutal dorsal do mesencéfalo.
Stein observou que o antidepressivo tricíclico imipramina não produzia por si só um aumento da freqüência da auto-estimulação, porém potencializava o efeito da anfetamina, fazendo com que doses limiares do psicoestimulante produzissem efeitos facilitadores muito acentuados sobre a auto-estimunulação. Propôs Stein a teoria de que vias noradrenérgicas ascendentes, que passam pelo feixe prosencefálico medial, eram o principal substrato do fenômeno da recompensa. Os antidepressivos restabeleceriam a eficiência do sistema de recompensa, intensificando os efeitos da NA liberada, e desse modo exerceriam sua ação terapêutica. A anfetamina, por sua vez, promovendo diretamente uma maior liberação de NA, induziria apenas euforia passageira.
Assim, pode-se encarar a depressão mental como devida a uma deficiência de NA nas vias noradrenérgicas de recompensa. Desse modo, os estímulos ambientais que normalmente ativam estas vias, produzindo sensações de prazer e elevando o estado de ânimo, teriam seu efeito diminuído. Predominaria então o sistema de punição. A deficiência do sistema de recompensa poderia ser primária, por falta de NA, ou secundária, devido a uma ativação exagerada do sistema de punição. Apoiando esta última sugestão, há evidências experimentais indicativas de que o sistema aversivo exerce uma ação inibitória sobre o sistema de recompensa. Assim poder-se- ia explicar por que acontecimentos muito traumáticos, como a perda de alguém ou algo valioso podem desencadear surtos depressivos mais ou menos graves, dependendo da susceptibilidade do sistema de recompensa.
Inconsistências da teoria noradrenérgica
A primeira dificuldade surgida para a hipótese noradrenérgica da depressão foi a explicação do papel da 5-HT. Tanto a reserpina como os inibidores da MAO e os agentes tricíclicos afetam mecanismos serotonérgicos, da mesma forma que os noradrenérgicos.
Uma conciliação entre a hipótese da NA e a da 5-HT é possível se atendermos a evidências indicativas da existência de dois tipos bioquímicos distintos de depressão mental, um deficiente em NA e outro em 5-HT. Assim, investigando o metabólito da NA, 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), verificou-se haver uma diferença na distribuição da concentração dessa substância na urina de pacientes deprimidos e de pacientes do grupo-controle. O MHPG é o principal produto da metabolização intraneuronal de NA, e portanto um indicador do funcionamento das vias noradrenérgicas. A contrapartida para o lado da 5-HT deu-se ao se estudar a concentração de seu metabólito, o ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), no líquor de pacientes deprimidos. Também aqui há um grupo deficiente e outro normal.
Outra dificuldade é a explicação do curso temporal do efeito das drogas antidepressivas. A inibição da recaptação de aminas dá-se em poucos minutos ou no máximo horas, após a administração dos compostos tricíclicos, o mesmo acontecendo com relação à inibição da MAO pelo outro grupo de drogas antidepressivas. Em ambos os casos, porém, o efeito terapêutico leva vários dias ou semanas para se instalar. Por outro lado, como decorrência do tratamento crônico com essas drogas, ocorrem mudanças adaptativas lentas nos mecanismos de neurotransmissão monoaminérgica, tais como diminuição do número e sensibilidade de receptores pós e pré-sinápticos, que tornam difícil concluir se o resultado final do tratamento seria um aumento, uma diminuição ou uma compensação da atividade da neurotransmissão mediada por NA ou 5-HT.
Outro problema ainda é o do papel da NA no fenômeno da recompensa, papel este que está sendo praticamente descartado ou reduzido a uma importância secundária. Evidências da destruição dos neurônios noradrenérgicos não abole a auto-estimulação. Somam-se ainda evidências experimentais a favor de um papel preponderante das vias dopaminérgicas ascendentes, que correm junto ao feixe prosencefálico medial, na mediação da auto-estimulação.
Distúrbios Afetivos e Estresse
O conceito de que a manutenção do equilíbrio dinâmico é essencial para a sobrevivência evoluiu nos últimos 2500 anos. O equilíbrio fisiológico dinâmico foi denominado homeostase por Canon. Na sua concepção, esse estado é permanentemente ameaçado por forças intrínsecas ou extrínsecas perturbadoras e é mantido por forças reguladoras, chamadas de respostas adaptativas.
Para descrever o estado desarmonioso ou de ameaça à homeostase, o termo estresse foi proposto pelos trabalhos pioneiros de Hans Seyle, em Montreal. Verificou-se que ratos submetidos a injeções diárias, tanto de extratos químicos como de salina, apresentavam alterações similares que incluíam o aparecimento de úlceras pépticas, aumento das adrenais e atrofia de tecidos relacionados ao sistema imune. Tais alterações ocorriam quando se expunha os animais a outras situações, como elevação ou diminuição da temperatura ambiente, ruídos intensos ou toxinas, o que sugeria que estava-se diante de uma resposta fisiológica generalizada. Para descrever esse fenômeno de resposta corporal não específica a um insulto, Seyle tomou emprestado um termo inglês de engenharia denominado stress (que significa uma força que tende a deformar um corpo qualquer). Segundo Seyle, não são todos os estados de estresse que apresentam características nocivas, apenas aqueles mais severos. Vale lembrar que, hoje em dia, já se reconhece que a resposta de estresse não é tão padronizada como Seyle acreditava inicialmente.
Há vários anos o estresse crônico, incontrolável, vem sendo relacionado à etiologia de diversas doenças, incluindo a depressão. Em animais de laboratório, a exposição a eventos estressantes não controláveis de alta intensidade produz alterações comportamentais e fisiológicas muitas vezes encontradas nas depressões clínicas, como déficit na atividade motora, ganho de peso e sono, bem como diminuição de comportamento competitivo, diminuição na capacidade de sentir prazer e aumento de erros em tarefas de escolha/discriminação. Essas alterações são revertidas por tratamento com drogas antidepressivas ou por eletrochoque. Em virtude disso, inúmeros modelos animais de depressão são baseados nas modificações comportamentais induzidas por exposição a diferentes estressores.
Em relação à espécie humana, existe um número crescente de evidências de que fatores estressantes, principalmente de origem psicossociais, mostram-se importantes no desenvolvimento de distúrbios afetivos. Observou-se um aumento de tais distúrbios nos três meses que precedem o início do quadro depressivo.
A influência de fatores estressantes sobre a depressão parece ser especialmente marcada para o primeiro episódio, com diminuição nos episódios subsequentes. Isso tem levado à proposta de que existe uma crescente sensibilização a estressores em pacientes deprimidos. Estudos em animais de laboratório têm demonstrado que a estimulação anterior a estímulos aversivos potencia alterações induzidas por um novo estímulo estressante, sugerindo que os efeitos do estresse se consolidam com o passar do tempo e que esse processo se manifesta quando o organismo é submetido a um novo estresse.
Pouco se conhece sobre os mecanismos dessas modificações de longo prazo, mas alguns autores sugerem que eles envolvam a indução, pelo estresse, de proto-oncogenes como c-fos e outros fatores de transcrição. Tais fatores levariam a uma modificação na expressão de neurotransmissores, receptores e neuropeptídeos, responsáveis pelas alterações a longo prazo na sensibilidade ao estresse.
Embora muitas pessoas vivenciem eventos adversos importantes durante períodos da vida, poucas desenvolvem distúrbios afetivos. Alguns dos fatores responsáveis por essa vulnerabilidade são conhecidos, e incluem dificuldades sociais crônicas, ausência de suporte social e perda da mãe na primeira infância. A internalização desses fatores levaria a uma baixa auto-estima que seria o principal fator cognitivo relacionado à vulnerabilidade de apresentar episódios depressivos. Mecanismos serotonérgicos também são importantes, pois parecem influenciar a sociabilidade de diferentes espécies de mamíferos. Drogas que aumentam essa neurotransmissão facilitam o desenvolvimento de dominância em primatas e melhoram comportamentos de ratos em tarefas que precisam de cooperação social. Verificou-se que ratos domesticados apresentam um aumento no número de receptores do tipo 5-HT1 no hipocampo quando comparados à ratos selvagens.
Segundo a proposta do pesquisador inglês John Deakin, fatores de vulnerabilidade poderiam facilitar o aparecimento de quadros depressivos por alterarem a secreção do hormônio cortisol e, com isso, prejudicar a neurotransmissão mediada por 5-HT1a. Pacientes com depressão apresentam, freqüentemente, alterações na secreção de cortisol, representado por elevação acima de níveis considerados normais, perda/atenuação do ritmo circadiano normal e/ou deficiência na resposta normal de secreção do cortisol em resposta à administração exógena de glicocorticóides. Estudos mais recentes mostram que a neurotransmissão mediada por 5-HT1a no hipocampo parece estar sob supressão crônica de hormônios da supra-renal, pois a retirada destes leva a um aumento de expressão daqueles receptores.
Modelos experimentais de depressão
Os primeiros modelos de animais de depressão foram baseados nos efeitos dos antidepressivos; por exemplo, a reversão da ptose palpebral causada pela reserpina, sem relação com eventuais mecanismos do desenvolvimento do quadro depressivo.
Uma nova abordagem a esses modelos surgiu com a proposta do modelo de desamparo aprendido, feita por Martin Seligman e Steven Maier. Eles mostraram que cães submetidos a uma série de choques inescapáveis nas patas apresentam déficit de aprendizado em nova situação em que os choques poderiam ser evitados. Embora a interpretação de que essa falha envolva aprendizado prévio da "inescapabilidade" da situação seja controversa, ela é revertida por tratamento com antidepressivos.
Um outro modelo bastante empregado e que guarda semelhança com o desamparo aprendido, é o teste do nado forçado. Neste teste roedores são inicialmente submetidos a um período de nado forçado (treino), uma situação inescapável de estresse. Depois de 24 horas o animal é colocado novamente para nadar (teste), e a latência para ficar imóvel (apenas com pequenos movimentos que o impeçam de submergir) e/ou o tempo total de imobilidade são registrados. Tratamentos subcrônicos (3 doses no intervalo de 24 horas) com antidepressivos, particularmente aqueles que bloqueiam a recaptação de noradrenalina, diminuem o tempo total de imobilidade e aumentam a latência para o primeiro período de imobilização.
Classificação dos Medicamentos Empregados no Tratamento de Distúrbios Afetivos
Os medicamentos empregados no tratamento de distúrbios afetivos podem ser classificados em:
Antidepressivos tricíclicos:
imiparina, desipramina, amitriptilina, nortriptilina, clomipramina, doxepina, protriptilina e trimipramina. É o grupo mais antigo de drogas, apresentando estrutura tricíclica e efeitos farmacológicos semelhantes.Antidepressivos de segunda geração (ou atípicos):
grupo de drogas introduzidas mais recentemente na clínica, heterogêneo em termos de estrutura e efeitos farmacológicos. Incluem os compostos como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina ou SSRI (fluoxetina, fluvoxamina, citalopran, sertralina) ou noradrenalina (maprotilina) ou ambas (venlafaxina), mianserina, trazodone, bupropin, nefazodone, etc...Inibidores de MAO:
incluem a fenelzina, a tranilcipromina, a clorgilina e, mais recentemente, a moclobemida."Estabilizadores" do humor:
representados pelo lítio. Outras drogas que também são empregados com essa finalidade são os anticonvulsivantes carbamazepina e ácido valpróico.
Efeitos farmacológicos dos antidrepressivos tricíclicos e de segunda geração
Os compostos antidepressivos tricíclicos são caracterizados pela capacidade de bloquear a recaptação neuronal de noradrenalina (NA) e de serotonina (5-HT) , mas são incapazes de boquear a recaptação neuronal de dopamina (DA), excetuando a nomifensina.
A estrutura do anel tricíclico varia nas diferentes famílias dos compostos tricíclicos mas, de um modo geral, os compostos tricíclicos têm uma estrutura semelhante à do anel fenotiazínico dos tranqüilizantes maiores, sendo dotados de certas propriedades semelhantes às dos neurolépticos fenotiazínicos.
Destacam-se, por sua potência nesta ação, os compostos com amina terceária, que inibe eficazmente a recaptação de 5-HT, e os com amina secundária, como a desipramina e a nortripilina, que inibem mais eficazmente a NA. Já a imipramina inibe ambas as substâncias.
Também chamados atípicos, os compostos de segunda geração formam um grupo heterogêneo em termos de estrutura química e efeito farmacológico. Contudo, distintas ações farmacológicas agudas destes antidepressivos têm sido relacionadas à sua eficácia terapêutica na depressão como as relacionadas aos tricíclicos, além de terem menor afinidade pelos receptores.
Muitos dos antidepressivos têm afinidade por receptores como os muscarínicos, alfa-adrenérgicos e histamínicos, o que provoca efeitos colaterais como hipotensão postural, sedação, efeito anticolinérgico, visão embaçada, midríase, arritmias cardíacas, constipação intestinal, retenção urinária e secura na boca. Um efeito adverso compartilhado pelos antidepressivos é o aparecimento de quadro hipomaníaco durante o tratamento.
Os compostos tricíclicos têm um índice terapêutico baixo, são de instalação gradual, havendo necessidade de vários dias ou semanas para que os benefícios se tornem aparentes, e sua ação é prolongada, perdurando por vários dias. A combinação dos compostos tricíclicos com os inibidos da MAO resulta em grande agitação psicomotora, febre, convulsão e eventualmente, morte.
Além disso, doses elevadas de imipramida podem ser fatais porque passam a bloquear canais de sódio, interferindo na condução nervosa. Com isso, podem provocar alterações cardíacas, depressão respiratória, delírio, alucinações, coma e morte. Cautela também deve ser observada na ocasião da retirada do tratamento, evitando-se a retirada súbita. Devido ao aumento da sensibilidade dos receptores muscarínicos pelo bloqueio continuado, podem ocorrer manifestações de exacerbação colinérgica como náusea, tontura, cefaléia, sudorese e salivação excessiva.
Efeito da administração crônica de antidepressivos
Os efeitos terapêuticos das drogas antidepressivas sobre o humor necessitam de administração continuada por pelo menos quatro a seis semanas antes de se tornarem evidentes.
Pesquisa-se os mecanismos responsáveis por essa latência afim de se desenvolver novos fármacos com efeito antidepressivo mais rápido e de elucidar a neurobiologia da depressão.
Estudos mostram que o uso crônico de antidepressivos leva a modificações em diversos sistemas cerebrais, como os noradrenérgicos, serotonérgicos e dopaminérgicos.
Sistema Noradrenérgico
O uso crônico de diferentes tratamentos antidepressivos provoca alterações na ligação a receptores noradrenérgicos. O achado mais consistente é a diminuição do número de receptores beta-adrenérgicos. Em alguns casos, embora o número destes receptores não seja modificado, a formação de AMPc resultante de sua estimulação está diminuída, vários estudos sugerem que esse efeito pode ser medido por interferência na ativação de proteínas G por receptores beta.
Esse fenômeno ocorre também com tratamentos não farmacológicos que apresentam efeito antidepressivo, como o eletrochoque e a privação de sono paradoxal, ou mesmo do sono total.
Outro efeito bastante comum do uso prolongado de drogas antidepressivas é uma diminuição (down-regulation) de adrenoceptores de tipo alfa-2 que, quando localizados no corpo celular ou terminais dos neurônios noradrenérgicos, funcionam como auto-receptores inibitórios, regulando a atividade neuronal e/ou a quantidade de noradrenalina liberada na fenda sináptica. A administração aguda de imipramina, por potencializar o efeito da noradrenalina nesses receptores, diminui a atividade elétrica dos neurônios do locus coeruleus. Isso funciona como um "freio" ao aumento da neurotransmissão noradrenérgica. Com o uso prolongado da droga, ocorre uma diminuição dos receptores alfa-2 e o aparecimento de tolerância à inibição da atividade neuronal noradrenérgica. Nessa situação, o bloqueio da recaptação neuronal de noradrenalina levaria a um aumento maior dessa neurotransmissão.
Sistema serotonérgico
O uso prolongado de antidepressivos produz várias alterações no sistema serotonérgico, assim como no noradrenérgico. Estudos eletrofisiológicos sugerem que tratamentos prolongados com antidepressivos facilitam a neurotransmissão serotonérgica.
Os neurônios serotonérgicos apresentam atividade espontânea e possuem mecanismos de retroalimentação negativa que limitam sua atividade. O aumento da atividade neuronal leva ao aumento local de liberação de serotonina por dendritos ou axônios colaterais, a qual, atuando em auto-receptores, inibiria os neurônios serotonérgicos. Os auto-receptores inibitórios localizados nos corpos celulares parecem ser, na maior parte pelo menos, de tipo 5-HT1A. Drogas antidepressivas, por bloquearem a recaptação de serotonina, potencializariam o efeito da serotonina nesses receptores, o que limitaria aumentos expressivos da neurotransmissão serotonérgica no início do tratamento. A dessensibilização dos auto-receptores 5-HT1A, que ocorre com o uso prolongado dessas drogas, permitiria então um real aumento da neurotransmissão serotonérgica. Há hipótese que esta dessensibilização pode decorrer de uma diminuição de proteínas G responsáveis pelo acoplamento desses receptores a canais de potássio.
Essas observações geraram a hipótese de que drogas antagonistas de receptores 5-HT1A poderiam acelerar o efeito dos antidepressivos; o pindolol, um antagonista beta-adrenérgico, também possui alta afinidade com auto-receptores 5-HT1A. Esse composto, no entanto, aparentemente não bloqueia os receptores 5-HT1A pós-sinápticos, sugerindo que estes últimos seriam receptores diferentes dos auto-receptores.
Recentemente, sugeriu-se que auto-receptores pré-sinápticos de tipo 5-HT1B/D estariam também presentes nos corpos celulares ou dendritos dos neurônios serotonérgicos. Assim como os auto-receptores 5-HT1A, eles seriam dessensibilizados pelo tratamento crônico com antidepressivos.
Estudos utilizando técnicas de ligantes marcados mostram alterações significativas em determinados receptores serotonérgicos. Como esperado a partir dos resultados eletrofisiológicos, alguns antidepressivos causam diminuição de auto receptores 5-HT1A .Outro achado comum é a diminuição de receptores 5-HT2. Esse efeito tem sido relacionado por alguns com o efeito ansiolítico observado com o uso prolongado destes compostos. É interessante observar que o mais eficaz dos tratamentos antidepressivos, a eletroconvulsoterapia, não produz essa diminuição. Ao contrário, ocorre aumento do número destes receptores. Não obstante ser dos tratamentos mais eficazes na depressão, a eletroconvulsoterapia (ECT) é geralmente reservada para casos com risco iminente de suicídio. Isso porque o aparecimento do efeito terapêutico se dá de forma mais rápida do que com as drogas antidepressivas. A ECT também pode ser empregada em casos refratários ao tratamento farmacológico e em depressões com sintomas psicóticos com intensa inibição psicomotora e idéias delirantes. A ECT trata-se da produção de convulsões generalizadas, semelhantes às de um ataque epiléptico do tipo grande-mal, através da passagem de uma corrente elétrica pelo cérebro. Entretanto, o uso repetido da ECT pode causar amnésia e deterioração intelectual progressivas, por isso tem-se utilizado a ECT unilateral direita para diminuir os danos intelectuais.
Relação noradrenalina/serotonina
Observou-se que alterações de metabólitos de noradrenalina no líquido céfalorraquidiano de pacientes tratados com amitriptilina correlacionam-se com alterações em sintomas psicomotores, enquanto mudanças em metabólitos de serotonina correlacionam-se com melhora de sintomas de ansiedade e humor, sugerindo que cada grupo de compostos teria efeito preferencial sobre determinados sintomas de acordo com sua ação sobre o sistema noradrenérgico ou serotonérgico.
Ao mesmo tempo, numerosas evidências indicam que esses sistemas interagem, já que conexões anatômicas e neuroquímicas entre eles já foram descritas, dificultando a identificação entre drogas seletivas para noradrenalina e serotonina.
Sabe-se que adrenoceptores de tipo alfa-2, localizados pré-sinapticamente, exercem um controle inibitório tônico na liberação de serotonina e que adrenoceptores pós-sinápticos, de tipo alfa-1, estimulam neurônios serotonérgicos localizados nos núcleos da rafe, enquanto receptores 5-HT3 facilitam a liberação de noradrenalina.
Quanto ao sistema dopaminérgico, à exceção de alguns compostos, como a nomifensina, a maior parte dos antidepressivos não produz alterações agudas nesse sistema. No entanto, com o uso prolongado, efeitos como a facilitação da dopamina e aumento das respostas comportamentais a sua injeção direta no núcleo accumbens foram observados, o que estaria envolvido na melhora dos sintomas de anedonia observada nesses pacientes.
Evidências experimentais também sugerem que exista uma hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) em pacientes com depressão, relacionada com a intensidade dos sintomas (pacientes mais severos apresentam maior hiperatividade desse eixo). Estudos apontam que o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) seria o componente deste eixo que estaria desregulado.
Pacientes deprimidos apresentam aumento de volume tanto da hipófise quanto das adrenais, o que tem sido atribuído a uma hipersecreção do CRH. Este hormônio também atua como neurotransmissor em outros sistemas e sugere-se que possa coordenar não apenas as respostas endócrinas, mas também as alterações comportamentais, autonômicas e comportamentais ao estresse. Assim, o desenvolvimento de antagonistas de receptores de CRH para o tratamento de depressão e/ou ansiedade é outra possibilidade que poderá vir a ser explorada pela indústria farmacêutica.
Outros neurotransmissores cuja relação com os efeitos de drogas antidepressivas foi sugerida são o GABA, o glutamato e a acetilcolina.
Farmacocinética dos antidepressivos tricíclicos e de segunda geração
Embora a abordagem psicoterápica possa ser efetiva em casos leves ou moderados de depressão, casos mais severos devem ser tratados com antidepressivos. Existem alguns trabalhos que sugerem maior eficácia da combinação da farmacoterapia com a psicoterapia.
Pelo caráter continuado do tratamento e pela ausência de efeito terapêutico em doses únicas, as drogas antidepressivas são usualmente empregadas por via oral. Muitos destes compostos apresentam metabolismo de primeira passagem, o que faz com que sua biodisponibilidade fique em torno de 40% a 70%. Todos eles sofrem biotransformação no fígado, que pode resultar, em alguns casos, em metabólitos ativos.
Existe variação individual na capacidade do fígado de metabolizar os antidepressivos, o que pode contribuir para a variação do aparecimento de efeitos farmacológicos, tanto terapêuticos quanto adversos.
Em geral, os antidepressivos apresentam meia-vida longa. Isso permite a sua utilização em dose única diária, de preferência à noite para aqueles com efeito sedativo e pela manhã para os que apresentam efeito de aumentar o estado de alerta.
Efeitos farmacológicos dos inibidores da MAO
A monoaminoxidase é uma enzima que transforma catecolaminas em seus respectivos aldeídos, e localiza-se principalmente na membrana externa das mitocôndrias. Existem dois tipos, a MAO-A deamina preferencialmente noradrenalina e serotonina e é inibida seletivamente pela clorgilina. Já a MAO-B tem preferência por beta-feniletilamina e benzilamina, sendo inibida preferencialmente pelo deprenil. A dopamina, a tiramina e a triptamina são bons substratos para ambas as formas da enzima. A MAO-A predomina no intestino e no fígado, enquanto que no cérebro humano (em contraste com o do rato) há quase exclusivamente MAO-B. O deprenil, que inibe a MAO-B tem a potencialidade de ser um antidepressivo livre do risco de acidentes com alimentos que contêm tiramina, pois deixando a MAO-A intestinal e hepática ativa, permite que a tiramina ingerida seja normalmente inativada, não atingindo concentrações eficazes na circulação geral, pois do contrário a tiramina passaria para a circulação sistêmica e alcançaria as terminações nervosas simpáticas, onde promoveria a liberação de noradrenalina ( NA ) acumulada nos terminais nervosos em quantidade maior que o normal, devido à inibição da MAO intraneuronal, o que levaria a súbito aumento da pressão sanguínea, ou seja, crises hipertensivas graves e até mesmo mortais. Por sua localização, a MAO atua preferencialmente sobre o neurotransmissor que está "livre" no citoplasma.
A eficácia dos inibidores da MAO no tratamento de distúrbios depressivos parece semelhante a dos outros antidepressivos. O uso prolongado dessas drogas leva a alterações semelhantes às observadas com os antidepressivos. Atualmente os inibidores da MAO, devido aos riscos de seu uso, são empregados somente quando falham outros antidepressivos. Além das interações perigosas com outros medicamentos, podem causar queda da pressão arterial e toxicidade hepática.
Efeitos Farmacológicos dos Estabilizadores do Humor
O lítio é o principal representante deste grupo. Estudos controlados sugerem que é eficaz no tratamento de episódios maníacos e na prevenção da recidiva de crises maníacas ou depressivas em pacientes bipolares. O lítio pode, ainda, ser útil em pacientes refratários ao tratamento com antidepressivos, quando combinado com este último.
Alternativas ao emprego do lítio são dois anticonvulsivantes, a carbamazepina e o ácido valpróico. Estudos clínicos sugerem que ambos são tão eficazes quanto o lítio no tratamento da crise aguda de mania e no tratamento do episódio depressivo em pacientes bipolares.
Além dos efeitos terapêuticos, até 75% dos pacientes tratados com lítio podem apresentar algum tipo de efeito adverso e por possuir índice terapêutico baixo, sua administração deve ser controlada por monitorização dos seus níveis séricos.
Conclusão
Conclui-se que o conhecimento atual das bases neuroquímicas da depressão mental se acha em uma situação de transição. Embora a teoria monoaminérgica clássica da depressão seja insatisfatória, ainda não existem teorias melhores que possam vir a substituí-la, o que não afasta a possibilidade de que tal teoria seja descartada a curto ou médio prazo.